foto: Mariana Kreischer
Sugiro a leitura desse texto depois da audição. E ainda, quem puder que ouça do início ao fim, na sequência sugerida, como num filme, numa sala de cinema. São aproximadamente 40 minutos, somente. Cultivemos e lutemos por esses pequenos e alentadores rituais nesse mundo tão frenético e disperso.
Esse disco é uma busca. Penso nele há anos mas efetivamente de um pra cá ele começou a acontecer no meu dia a dia. A pandemia de 2020, nos abriu, aos músicos e musicistas, mais espaço interno e algum tempo, com o recesso de shows, ensaios e viagens. Alguns arranjos e músicas começaram a nascer de 12 anos pra cá aproximadamente, outros na quarentena. Venho há algum tempo tentando descobrir de onde venho, a história da minha família, a do Brasil, esses cruzamentos viraram tema, enredo, inspiração pro disco. Quem sou eu, de onde vim, de onde viemos, quem estava aqui, que música penso, sinto e faço? Porquê, pra quê e pra quem fazer música hoje?
E tudo isso no primeiro ano (2019) de um governo federal fascista, suicida, assassino e no ano seguinte numa pandemia mundial. Essa soma está nesse trabalho. O primeiro assinado por mim depois de 25 anos tocando com outras pessoas, de tantos estilos diferentes. Gente que respeito, admiro, ídolos (as), amigues. Coincidências(não acredito nelas) aconteceram: quando essa temática surgiu (ou se impôs) algumas músicas já tinham sido escolhidas. Nomes sugestivos pra esses tempos: “Triste” ,“Ternura”,“Perigoso”... O título reflete isso tudo e mais um pouco:
Anso gocun ferregoná sou tê
Uma espécie de anagrama, ou redução, ou abreviação desses nove sobrenomes perdidos :
Andrade Soares Gomes Cunha Reis Gonçalves Alves Souza Teixeira
(Ferreira está no jogo de palavras, mas não o perdi, é o meu do meio, Bruno Ferreira Aguilar).
Mas também uma provocação nessa busca, um nome com muita sonoridade (clave em 10/8?) - indígena, africana? Nossos ancestrais, povos originários ou trazidos violentamente pra cá. E ainda, um gesto criador (os acentos do título, as separações ou não das sílabas, maiúsculas ou minúsculas). Brincadeiras com palavras - Manoel de Barros (meu poeta maior) me salva, inspira e corrobora:
“...sentia mais prazer de brincar com as
palavras do que de pensar com elas”...
“ Aprendera no Circo, há idos, que a palavra tem que
chegar ao grau de brinquedo
Pra ser séria de rir” .
Fiquei feliz pelo repertório que se form(j)ou. Não sou um especialista em algo, ou melhor, não ouço nem curto produzir um tipo de música específico: choro, samba, MPB, instrumental, Universal Hermetiana, jazz, improvisação livre, música contemporânea, de concerto, de câmara...mas sinto que tem um pouco de tudo isso nesse cd, minhas referências históricas, minhas buscas (mais uma).
Essa temporada caseira me possibilitou também iniciar um desejo antigo, inspirado em minha paixão pelo violão(meu primeiro instrumento) solo brasileiro-Dilermando, Raphael Rabello, Yamandú, etc. (e também Hamilton de Holanda, colega de palcos e viagens- seus momentos de bandolim solo no meio dos shows sempre foram muito emocionantes e inspiradores): desenvolver um repertório para contrabaixo solo e também como único acompanhador. Passar meses arranjando e estudando uma mesma música, absolutamente sozinho. “Repetir, repetir, repetir...até ficar diferente” (olha o Manoel aí de novo).
“Perigoso”é a primeira. “História pra ninar...” também, caminhando junto à voz.
Por fim, em função da Covid-19, fui forçado a contar com pouquíssimos músicos e musicistas (escolhi não gravar remotamente, uma possibilidade. Mas essas músicas precisavam de interação, olho no olho). Gostei. Desafio virou concepção. Espaços, silêncios. Adriano Souza (que estava em meu primeiro trabalho profissional-com a compositora e cantora Lucina; no meu primeiro show solo em 2012 e em outras apresentações por aí), Joana Queiroz (minha parceira há anos, desde a Itiberê Orquestra Família em 2000), Serginho Krakowski (amigo que chegou aos 46 do segundo tempo) e Joaquim (que dispenso apresentações) se entregaram e arrasaram. E Duda Mello, parceiro, que além de virtuose das gravações, máquinas e estúdios, é um grande músico, deu ideiasque poderiam estar nos créditos de arranjo ou produção.
Seguimos. Isso tudo vai passar, a pandemia, o governo insano. O Brasil é muito maior que isso, andam dizendo e assino.
“Deixe acordar a certeza que dorme em seu
peito: o Brasil tem que ter jeito, o Brasil tem que
ter jeito!” (Thiago Amud).
Viva a arte, a música, que nos salvam.
Bruno Aguilar
Ubatuba (SP), janeiro de 2021.
BIO
Comecei a tocar violão aos treze anos e baixo aos quatorze. Tom Jobim e Beatles praticamente juntos. Em seguida fiz o curso Musiarte, me formando em 1996. Mais tarde, estudei baixo acústico com Sandrino Santoro, Tony Botelho, Gael Lhoumeal, André Geiger e João Rafael.
Fiz faculdade de jornalismo e radialismo mas abandonei o curso em 1998. Meses depois ingressei na Oficina do Itiberê Zwarg – essa foi minha universidade e formação musical. A oficina eventualmente virou Orquestra e passei sete anos lá. Ensaiávamos três vezes por semana com ou sem show marcado, fizesse chuva ou sol. Foi uma experiência marcante participar de arranjos e composições do Itiberê feitos na hora, com os músicos presentes.
Desde minha saída da Orquestra em 2006 venho tocando e colaborando com instrumentistas, cantores(as) e compositores(as) brasileiros(as) que muito admiro como Hermeto Pascoal, Edu Lobo, Hamilton de Holanda (trio e Baile do Almeidinha), Cristóvão Bastos, Maria Bethânia, Dori Caymmi, Francis Hime, Monarco, Pedro Miranda, Nina Wirtti, Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Leo Galdelman, Zé Nogueira, Sergio Galvão, Idriss Boudrioua, Edu Neves, Raul de Souza, Vittor Santos, Gabriel Grossi, Bebê Kramer, Márcio Bahia, Luciana Souza, Letieres Leite, Guinga, Maury Buchala, Áurea Martins, Monica Salmaso e Renato Brás. E estrangeiros como Harvey Wainaple, Maria Toro, Sergio Valdeos, Eyal Maoz, Chris Stover e Mark Lambert.
Com eles, tive a oportunidade de viajar pelo Brasil e por outros países como Argentina, Uruguai, Portugal, Itália e Japão. Toquei em lugares como Sala São Paulo, Teatro Solís (Montevideo), Teatro Coliseu (Porto e Lisboa) e Blue Note (Tokyo).
Posso dizer com gratidão e certeza que minha carreira se caracteriza por parcerias com artistas livres, cuja música respeito e gosto de ouvir; isso foi uma escolha. Lucina (meu primeiro trabalho profissional em 1995), Joyce Moreno (com quem viajei pelo Japão) e Antônio Adolfo (com quem gravei programas e fiz shows) são três exemplos, ícones da música independente e autoral.
E da nova geração destaco os trabalhos com o Bamboo Quinteto, Ilessi, Thiago Amud, Arthur Dutra, Rafael Martini, Joana Queiroz, Bernardo Ramos e Sylvio Fraga.
Neste momento participo dos grupos desses dois últimos compositores, do novo projeto de Edu Lobo, Romero Lubambo e Mauro Senise (com os quais tive a alegria de ganhar um Grammy Latino em 2018), do quarteto de Senise, do Cordão do Boitatá, além do meu trabalho solo.
Há seis anos coordeno e dou aulas no Rio de Música, projeto social iniciado na comunidade do Jacarezinho e agora instalado em Manguinhos, atendendo alunos e alunas da Maré, Alemão e entorno. Este é sem dúvidas um dos grandes desafios e uma das maiores alegrias na minha vida.
Em 2019 compús a triha da instalação " a cor que habito", no Oi Futuro/RJ, de Carmen Slawinski, e em 2021 a trilha da instalação "Cidade Viva", da mesma artista. Ainda em 2021, acaba de entrar em circuito o documentário "Nunca mais serei a mesma" de Alice Lanari. Compús a música de encerramento do filme.
Ainda em 2019 apresentei pela primeira vez meu show solo fora do país, na Fábrica Braço de Prata em Lisboa/Portugal.
Em 2020 completei 25 anos de música profissional gravando meu primeiro álbum solo, intitulado "anso gocun ferregoná sou tê". Este disco foi lançado em 2021. Em função da pandemia de Covid 19, os shows de lançamento ocorrerão em 2022.
foto: Thiago Ribas
Depoimentos
Registros
Discografia
-“Martes” (Xekerê) 2000
-“Pedra do Espia” (Itiberê Orquestra Família) 2001 eleito em 2001 um dos 10 melhores cds do ano pelo Globo .
-“Ponto sem nó” (Lucina) 2001
-“Eu, causa e efeito” (Fênix) 2001
-“Tudo é coisa musical” (Vocalise-part de Wanda Sá) 2005
-“Calendário do Som” (Itiberê O. Família) 2006
-“Quem vai comprar nosso barulho?” (Chicas) 2006
- “Camaleão Carioca” (João Gaspar) 2007
-“Pra começo de conversa" (Marcos Alves) 2008
-“Em tempo de crise nasceu a canção" (Chicas) 2009
-“Bamboo” (grupo Bamboo) 2010
-“Novos tempos” (Elisa Addor) 2011
-"Pedaços q contam 1 história...” (Daniel Gonzaga) 2011
-“Pé do ouvido” (grupo Pé do ouvido) 2011
-“Subindo a serra” (Márcio Bahia/part. de Luciana Souza) 2011
-“Uma maneira de dizer” (Joana Queiroz Quarteto) 2012
-“Carnaval de perneta” (Daniel Marques) 2012
-“Fred Falcão” (Fred Falcão e Chicas) 2012-“A musa de benjamin e outros ensaios” (Arthur Dutra) 2013
-“O tempo do encontro” (Arthur Dutra) 2013
-“Carrossel de pássaros” (Sergio Krakosky) 2013
-"Sonhos de nascimento" (Bianca Gismonti) 2013
-"Abertura” (Bamboo) 2014
-"TRIO$" (Marcos Nimihister) 2016
-"Toda pessoa pode ser invenção” (Fernanda Gonzaga / part. de Moska, Ivan Lins)
-"Cigarra no Trovão” (Sylvio Fraga Quinteto) 2016
-"Encontros” (Zé Nogueira e Arthur Dutra / part. de Guinga e Marcos Suzano) 2016
-"Amor até o fim” (Mauro Senise toca Gilberto Gil) 2016
-"Todo Sentimento" (Mauro Senise e Romero Lubambo / part. Edu Lobo) 2016
-"Boa noite pra falar com o mar” (Joana Queiroz Quinteto) 2017
-"Dos Navegantes" (Edu Lobo, Mauro Senise e Romero Lubambo) 2017
-"Batom passado” (Yuri Poppof e Beth Dau) 2017
-"Dos navegantes ao vivo"( cd e dvd) ( Edu Lobo, R. Lubambo e M. Senise) 2018
-" Cangaço"( Bernardo Ramos Quinteto)2018
-"Canção da cabra"( Sylvio Fraga Quinteto e Letieres L.) 2018
-"Quase Memória ( E. Lobo, R. Lubambo e M. Senise) 2019
-"Ilusão à toa" ( M. Senise) 2020
-"Anso gocun ferregoná sou tê"( Bruno Aguilar) 2021
-"Arthur Dutra e Jeff Gardner" ( Arthur e Jeff) 2021
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